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O 'luisismo' não descansa

Não sei se o futebol português tem uma figura patriarcal que sirva de tampão para as gerações seguintes. Em Espanha, esse homem existe. Chama-se Luis Aragonés e é um problema. Para quem desconhece, fica a sua biografia básica: jogou no Atlético de Madrid, onde o seu mito se multiplicou como treinador. Ganhou uma liga no seu primeiro ano como técnico, o único campeonato que venceu até ao seu êxito como seleccionador no Euro 2008. Entre as suas duas grandes conquistas, passaram 32 anos. Apesar disso, a sua influência tem sido enorme.

A Luis chamam "Sábio de Hortaleza". Não se inquietem: Hortaleza não é Oxford. É um bairro no Norte de Madrid, mas a alcunha explica bem a natureza quase mística do personagem. Amparado por um fortíssimo grupo de jornalistas, quase todos apaixonadamente relacionados com o Atlético de Madrid, Luis alcançou uma consideração que corresponde mais ao mágico do que ao real.

A irregular trajectória profissional de Luis não evitou que os seus pretorianos o divinizassem, de maneira que o resto dos treinadores foram sempre sujeitos às suspeitas deste poderes fáticos. O assunto resolveu-se em 2004, quando foi nomeado seleccionador. Durante os quatro anos seguintes, Luis teve um fracasso - rapidamente esquecido pelo jornalismo - e um êxito fenomenal: o Euro 2008. No centro, um homem com grandes qualidades e muitos defeitos.

O problema é que Luis abandonou o posto, mas arrependeu-se um minuto depois. Considera-se o tutor da equipa espanhola e a sua sombra plana sobre os jogadores. Durante o Mundial fez críticas que só se podem considerar inoportunas. No seu tempo, não teria tolerado que um ex-seleccionador questionasse o seu trabalho. A sua força de choque mediática encarregar-se-ia de o proteger. Ninguém sofre mais com esta situação do que Del Bosque, o seu sucessor. É um homem nas antípodas de Luis. Distingue-se pela discrição, elegância e um refinado sentido de humor. Ninguém lhe chama sábio, nem ele o permitia. Tenta fazer o seu trabalho, bem feito até agora, mas corroído pela inesgotável mística de Luis e pelo jornalismo que a proclama.